Teoria Máquina do Tempo — Matuê

Henrique Dal Bello
14 min readJun 22, 2021

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Máquina do Tempo foi lançado pelo Matuê em Setembro de 2020.
Fui ouvir esse disco nas últimas semanas e me chamou MUITA atenção me fazendo começar a tentar entender a história por trás do disco e obviamente foi o que me motivou à escrever tudo isso aqui, como um fã do trabalho dele.

NOTA: CONTÉM SPOILERS DO GIBI/COMIC BOOK!

Como cheguei no álbum

A track Máquina do Tempo foi o meu primeiro contato com as músicas do Matuê, onde vendo o vídeo 2020 em uma música do Lucas Inutilismo, acabei por ouvir ali no decorrer do vídeo e tive a curiosidade de ouvir a versão original e depois vendo alguns Cortes do Flow (e também o flow na integra), fiquei MUITO curioso com o que o Matheus (ou Matuê) criou nesse disco. Cheguei a comprar no dia seguinte o comic book/gibi diretamente na loja do 30PRAUM pra tentar entender a obra completa por detrás das animações de cada música e das músicas em si.

O que acontece é que até então desde que escuto rap, hip hop e trap, sempre vi a criação de “personagens” em volta das músicas, mas nunca álbuns conceituais. Um grande exemplo (que eu sou muito fã) é o Eminem, que criou os diferentes personagens/personas durante sua carreira: Slim Shady, Eminem e Marshall Matters.

Mas a criação de um “álbum conceitual” nunca foi muito a realidade no hip hop, a parada sempre foi mais numa pegada de personagem ou só de ostentação, mulheres e drogas, ou contar a vida difícil que cada um deles viveu.
No álbum do Matuê isso também é presente, mas mesmo que o álbum fale sobre esses assuntos também é possível notar algumas frases se referindo à história que ele criou.

Sinceramente, os únicos poucos álbuns que cheguei a ouvir puxado pra essa pegada de “conceitual” eram sempre no rock ou rock progressivo, onde o álbum por completo contava uma história, sendo ela relacionada com a realidade ou não.
Mas NUNCA tinha visto esse tipo de iniciativa vindo de algum artista mais voltado pro rap/hip hop/trap, seja gringo ou BR.

Link do vídeo no instagram

E essa inovação me fez curtir demais o álbum e começar a tentar entender o que estava por detrás das músicas e de todos os elementos que o Matuê tentou incorporar, fazendo várias frentes além de somente música, com as animações de cada track e com o comic book e com direito à um grafite gigantesco em São Paulo com o próprio sentado bem no topo do prédio.

Pontos importantes citados pelo Matuê

Todos os pontos abaixo foram citados no Flow:

Conde de Saint Germain

Ele cita bem por cima sobre uma relação da história com a lenda do Conde de Saint Germain, uma figura enigmática e misteriosa que foi visto em vários tempos, como um viajante do tempo, participando de momentos importantes da história. Segundo ele, foi uma das inspirações pro tema do disco, alegando que até as cores foram inspiradas nele, onde entramos também na lenda da Chama Violeta que está associado ao conde, dando origem a cor principal de toda a obra como o cabelo do Matuê, gorila roxo, etc.

Chama Violeta

A Chama Violeta em resumo, na lenda, seria a força espiritual mais poderosa no planeta. Podendo ressaltar ai um como um raio/chama de purificação, transformação, liberdade e entre outros pontos que lendo sobre a lenda você consegue identificar bastante o motivo da escolha dentro do personagem e do disco em si.

Gorila Roxo

Pessoas que foram transformadas em seu estado primal, que são mais em harmonia com a natureza e com os próximos.

Personagem principal

O personagem principal é ele mesmo e na história, segundo ele conta, é um cientista que conhece muito sobre enteógenos e na hora de voltar no tempo, acontece um acidente onde ele passa a ser a própria máquina do tempo e ganhando os poderes ali do famoso “Matuê roxo”.

Outros pontos importantes

Praticamente o projeto é dividido em 3 pedaços importantes:

  1. O gibi que contém a história completa
  2. As músicas que vão dar voz para o personagem e externalizar por meio musical/auditivo pedaços importantes da história
  3. Os vídeos das músicas que vão trazer visualmente os mesmos pedaços que são “contados” nas musicas

Alguns pontos interessantes é que praticamente não tem nenhuma fala no gibi inteiro, algumas poucas apenas pra contextualizar ou quando é uma fala muito importante, deixando pra gente pensar na história e no que ela representa.
Além disso um ponto que achei daora é que você lê folheando da direita pra esquerda (inverso da maneira que lemos em português), por conta de ser uma história de “voltar no tempo”, uma boa sacada.

O disco

Todas as músicas possuem um trecho lírico que representa a história no gibi além da própria animação dos vídeos ter uma explicação e relação com o os trechos da história.
Infelizmente não sou um músico pra entender os componentes que ele colocou na música em questão de melodia, beat, etc. Mas vou tentar passar um pouco daquilo que pude perceber em cada música também.

O álbum inteiro gira em torno do que normalmente o pessoal usa de assunto no trap. E o que é mais interessante é que o Matuê conseguiu manter essa linha mas ainda assim colocar umas frases chave nas músicas que combinam sem sair do contexto da música e ainda contar a história do gibi.
Conseguir juntar uma história teoricamente “séria” com um contexto mais puxado pra zoeira foi algo que ele conseguiu fazer de um jeito bem foda.

Vou tentar colocar na ordem que acredito ser a ordem cronológica, das músicas de acordo com o gibi, tentando desvendar ai o que cada animação e música ta relacionada com os trechos da história:

Maquina do Tempo

Uma das principais tracks e mais famosas do álbum, levando o próprio nome do álbum.

Máquina do Tempo

Da pra perceber que é a primeira parte da história, primeiro porque no vídeo você percebe que o Matuê não está com o cabelo roxo ainda e a calça ainda está intacta, sem qualquer rasgo. E da pra perceber que quando o cabo é conectado na cadeira começa a brilhar algumas partes roxas no corpo dele, já dando a entender como ele ganha os poderes que ele vai ter durante a volta no tempo e a calça rasgada também.

Na música, são nítidos os elementos que se referem à “voltar no tempo”, começando pela utilização do sample da música Como Tudo Deve Ser do Charlie Brown Jr., que é um clássico lançado em 2001 do álbum 100% Charlie Brown Jr. — Abalando a Sua Fábrica.

Além do sample do CBRJ da pra sentir uma nostalgia pesada com os elementos que o Matuê usou, embora eu não conheça música tão a fundo, só de você escutar dá pra pegar o sentimento que ela tá querendo passar, realmente querendo te fazer voltar no tempo através dos samples.

Frases relacionadas com a história:

“Eu vou fazer uma máquina do tempo, encher ela de boldo
Vou voltar pro passado e escrever tudo de novo

Viajar no espaço-tempo, você tá ficando doido? Cê sabe que isso é impossível, garoto, isso papo de louco”

Os 3 de cima mostram a intenção do Matuê voltar pro passado pra tentar consertar tudo.

Sobre o trecho:
“Essas ideia não vai curar com uma bomba, mas não é do tipo que explode, é do tipo que te lombra”

Como o gibi começa com uma explosão na cidade e uma guerra entre as pessoas, talvez essa frase vem mostrar que não vai ser com guerra que a coisa vai resolver.

Um ponto interessante que ele coloca no gibi é que ele volta do ano 2075 pro ano 2023, onde ele acredita ser que foi o momento em que tudo começou e alguns dizem que em 2023 é quando vai começar de fato o Apocalipse na vida real. Não sei se foi intencional, mas é no mínimo interessante.

Vale lembrar que a música tem 2 momentos/beats e a transição pro segundo dá a sensação que talvez seja a hora em que a máquina do tempo de fato roda e ele faz essa passagem pro passado.

Antes

Antes

Na animação ele anda pela cidade com um cenário apocalíptico, tudo destruído que onde ele passa vai revivendo um pouco do cenário, florescendo.

Inclusive, se você reparar já tem um gorila roxo no fundo, logo no começo da animação, que vai fazer parte da história na próxima música.

Particularmente uma das músicas que eu mais gosto do álbum. A track tem uma melodia bem “melancólica”, mostrando o ‘Tuê chegando e vendo tudo destruído e querendo voltar tudo como era “antes” de tudo aquilo acontecer, embora provavelmente ele nem era vivo na história.

A música é meio que uma transição entre Máquina do Tempo e a volta de fato dele ao passado, os trechos da música relacionados à história são:

“Quem dera eu pudesse voltar como era antes”

“Nada vai me trazer nem devolver o que era antes”

“Eu vou voltar no tempo, só pra reviver o que era antes”

Dá pra perceber também no final uma transição só no instrumental, que ao meu ver é provavelmente o momento em que ele começa a reviver boa parte a sua volta com o poder da chama violeta.

Gorila Roxo

Gorila Roxo

Gorila roxo, segundo o que o Matuê falou no Flow, é a forma mais “primal” do ser humano durante a história, a forma mais pura. Nisso a gente consegue entender a referência do que falamos lá em cima sobre o conde e a chama violeta que, nesse caso, purifica as pessoas transformando elas em gorila roxo.

Outro lado interessante é que o gorila roxo tem olhos vermelhos, como se tivesse fumado. Lembrando que o Matuê defende muito a questão da legalização da cannabis e essa luta pela descriminalização.

No gibi mostra um dos “monstros” pronto pra atacar uma mulher e antes que ele atacasse o Matuê aparece dizendo:

“Eu sou ‘Tuê, prazer eu sou a cura”

E logo em seguida purifica o “monstro” pra uma pessoa normal.
Depois de salvar a moça ele dá um “cristal” pra ela, que depois de comer vira um gorila roxo.

Na música, como vc já deve ter percebido, existe um trecho que ele fala:

Eu sou ‘Tuê, prazer eu sou a cura, eu vim pra desembaraçar sua vida turva”.

Que faz referência total à esse trecho do gibi.

Outra referência que a gente pode pegar é quando ele fala “Fumando gorila roxo…”, fazendo assim sentido porque os gorilas roxos tem olho avermelhado.

A melodia dessa música é bem diferente, uma parada meio misteriosa, casa bastante com o cenário de catedral ali da animação. Pode ser que foi feito assim pra mostrar uma certa misteriosidade nos poderes do Matuê.

Vem Chapar

Vem Chapar

Vem chapar, é um momento na história onde o Matuê se depara com uma pilha de corpos mortos, escala até o topo da pilha e cria varias raízes até o topo (igual da música antes) sobre os corpos.
As raízes começam a gerar vários dos cristais que transformam as pessoas em gorila roxo e assim todos os que acreditavam na volta do Matuê, começam a comer e mais tarde vão criar como se fosse uma “resistência”/exército pra lutar ao lado do Matuê.
Um bom ponto é que na hora que as raízes começam a surgir, todos os “monstros” começam a fugir do lugar.

No gibi é um momento de alegria pra todo mundo, já que o Matuê trás esperança pra todos, que é também a sensação que a própria música vem trazer, de alegria e um pedacinho de esperança também se reparar na melodia.

Praticamente a música inteira tem relação com o gibi, chamando todos pra “vir chapar”, que provavelmente seria pegar o cristal que te faz virar gorila roxo e entra com ele na batalha.
E a questão da esperança fica nítido nos trechos:

“Ainda bem que ta tudo bem. Você tá bem, eu tô bem, todo mundo tá bem”

“E se a seca chegar, não vai se desanimar. Liga pro Tuê que ele vai te salvar do bom”

Esse momento no gibi é uma transição pra luta final.

É Sal

É Sal

A animação vai retratar a luta, onde aqueles que estão do lado do Matuê e os gorilas roxos protegem o Matuê, provavelmente enquanto ele se prepara pra luta final.
Na música ele usa a figura do que parece ser um policial, talvez relacionando os policiais com os “maus” que estão contra o Matuê.

É perceptível um certo “suspense” na melodia da música e acho que cabe bem pro momento da história que conta no gibi.

A letra como um todo casa com o gibi, por exemplo, na parte “Disposição pra tomba duas viatura”, mostra a intenção de todos pra acabar com os monstros, inclusive tem uma cena no gibi onde um dos monstros com cara de palhaço (semelhante ao que mostra no vídeo da música Cogulândia) está andando e alguns da resistência saem atirando nele.

Outro ponto importante nesse momento no gibi é uma frase que está pichada na parede: “Ele vai voltar”. Que é exatamente o lance que o Matuê fala no Flow que haviam alguns que aguardavam a volta desse “herói”.

Cogulândia

Cogulândia

Daqui pra frente chegamos nas partes mais misteriosas do disco. Cogulândia, pra mim, é quase que indecifrável no gibi. Talvez só o próprio Matuê pra contar pra gente o que ela realmente significa.

Nesse momento, na animação vemos o Matuê preso em uma mesa cirúrgica com metade da cabeça cortada e já cheio de “líquido verde”, ainda brilhando roxo, mas com muito líquido verde, praticamente como sendo corrompido e torturado. E se você reparar no gibi e nas animações o verde sempre simbolizou as forças “do mal”.

No gibi, essa é uma das última cenas, onde pronto pra última luta, se depara com ele mesmo preso na mesa cirúrgica e alguns monstros aparecem atrás dele dizendo: “Bem-vindo de volta!”. Deixando explícito que é ele próprio ali.
Logo depois dessa cena, ele ajoelha dizendo “Merda…” e ai partimos para a próxima e última música que vai ser a 777–666 que quase foi chamada de “Heaven-Hell” (se você reparar nas fotos do insta dele que tem a tracklist).

A única referência lírica que eu conseguir achar que pode ser é o final:

“Come o cogu, come, come o cogu”

Seriam os cogumelos que transformaram ele em monstro?

Ali é o momento em que ele acabou se tornar como um dos “agentes do mal”.

777–666

777–666

Bom, essa aqui acho que deve ter mais informação do que a gente imagina, mas vamos lá.

A animação tem 2 momentos, um que mostra o Matuê com o mundo inteiro atrás destruído enquanto ele fala a intro e logo depois de ele citar “Andam dizendo que o ‘Tuê é o demônio” mostra a cena do “Matuê roxo” sendo levantado pelo pescoço (a mesma cena existe no gibi, a diferença é que eles não estão no espaço) e logo em seguida começa a “luta final” que fica em loop (muito bem feito por sinal).

Nessa última cena, no gibi, as lágrimas do Matuê caem em cima de um papel de caderno que está no chão escrito exatamente a mesma frase da introdução da música e que também está escrito na capa de trás do gibi:

“Tô num loop vivendo coisas que eu já vivi. Dizendo coisas que eu já disse. Vivendo a eterna bad trip.”

Bom, a gente já sabe que os dois são a mesma pessoa, mas dá pra confirmar de novo nessa música que é ele próprio, só notar na imagem ao lado a cicatriz na cabeça do Matuê verde que é exatamente onde foi cortado na animação da música Cogulândia.

Além disso, se vocês repararem, existe um band-aid ou um adesivo no umbigo do “Matuê roxo”, que também tem no mesmo local no “Matuê verde”.
Acredito que esse adesivo/band-aid possa ter algum significado também, mas não faço a menor ideia qual seja. Sabendo que o Matuê fez o disco bem nos detalhes, apergunta que fica é:

Porque ele teria pensado em tampar o umbigo que é o lugar onde fica o cordão umbilical de uma criança ao nascer?

Bom, como o próprio nome da música sugere, mostra o lado bom e ruim do próprio Matuê, talvez é a música mais importante e com mais significado pra história e pra ele mesmo como cantor/pessoa, essa dualidade de “bem e mal”. Que é exatamente o que o próprio Matuê fala no Flow, explicando o que significa essa música.

Ela em si mostra praticamente uma conversa com ele mesmo, principalmente do lado mal falando dá pra notar principalmente na parte:
“De repente isso vira um vício, mas que se foda tendo droga e buceta, eu só quero viver disso”

Com a resposta:
“Cê ainda acha isso bonito
Ei, palhaço, por que você ta rindo?
Você que é o zoado e a cena do trap é o circo.
Não se assuste quando tu for esquecido
Não vai ter mais o que fazer”

Como se fosse uma conversa entre o lado bem e mal dele em relação até a própria carreira e também uma autocrítica.

Segundo o próprio Matuê, ele deu voz pra esse “lado ruim” dele pra enfrentar esse lado/pensamentos cara-a-cara.

Há diversos pontos na música que se você prestar bem atenção, vai perceber que fala muito dele e das situações na vida dele. (inclusive bem pesadas)

E assim a história no gibi simplesmente termina ai, com os dois iniciando uma luta. Mas sem dizer o fim de quem vence ou não.

Uma coisa importante que pode ser uma dica pra gente, é que no gibi ele reservou duas paginas pra mostrar uma frase pichada no muro que é:

Quem salva o salvador?

Já dando a entender o que aconteceria lá na frente e deixando o suspense de quem ganha essa batalha final.

Conclusão

Eu sinceramente achei um ABSURDO esse disco e o projeto como um todo. Matuê se preocupou com cada detalhe, inovou em relação aos outros trappers, até mundialmente falando.
Só o fato do cara lançar um grafite no prédio, já dava pra ver que o que tava pra vir era grande!

Ele não contou em termos de dinheiro, mas afirmou que foi uma grana boa pra montar todo o projeto e falando a real, o cara mandou bem demais em todos os pontos. Tenho certeza que tem mais outros pontos que eu não falei aqui ou que não faço a menor ideia que era um pedaço na história ou na música.
Por exemplo, até agora não tenho noção do que possa representar o símbolo que o Matuê roxo tem na testa.

Pra finalizar, queria deixar aqui meus parabéns pra todo o trabalho do Matheus e da sua equipe, o projeto que vocês lançaram foi SENSACIONAL, coisa extremamente profissional e de qualidade.

Fiquem a vontade ai pra compartilhar o que acharam do disco!

Referencias

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Henrique Dal Bello

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